Sentia frio.
Quarto minúsculo, paredes
brancas, na realidade cinza, era cinza a cor que agora eu via.
Em pé recostado à
parede eu olhava pela janela. O olhar estava fixo na rua, mas minha mente
estava em outros lugares. O copo quente em minha mão esquerda continha o
líquido precioso de todas as horas. Em minha mão direita mais um dos meus
melhores amigos, ele iluminava o nascer do meu dia, sendo talvez a única cor de
verdade que me importava naquele momento. Ainda era manhã, mas poderia contar outros
dezoito melhores amigos tragados e as guimbas largadas ao chão. Meus vícios,
mas não todos.
Mais um gole de café,
mais uma tragada e nem assim o frio me deixava. A fumaça lançada dessa vez
retorna pela janela, culpa do maldito vento.
O cheiro forte impregnava
o quarto, mas prefiro o misto de cigarro e café incrustado em cada canto de meu
refúgio do que me iludir com uma realidade de perfumes, flores, cores e
felicidade. Essa não era a minha vida... essa não é a realidade da maioria,
talvez de ninguém.
Uma jovem esguia descia
pela rua em frente à janela de meu quarto, vestia uma camiseta com o símbolo de
alguma banda desconhecida, pelo menos por mim, suas pernas eram protegidas
apenas por um short jeans surrado. Seus passos eram lentos, como se desfrutasse
daquele momento. Mantinha um sorriso fácil, mas foram seus cabelos azuis que
pareciam flutuar de forma aleatória, em conjunto com os gatos que levava em seu
passeio que captaram minha atenção antes do seu caminhar ou o desenho bobo de
seus lábios em sorriso.
Um sorriso.
Dei-lhe uma última
olhada antes dela sumir na esquina, então finalmente notei que o sol nascera e
já derramava sua enchente de raios sobre as pessoas que caminhavam para todos
os lados. Todos apressados, todos continham seus passos, todos fingindo não
serem loucos.
Mais uma vez dei as
costas à janela para buscar mais do meu líquido precioso e, antes de retornar a
minha posição de atalaia, parei defronte ao espelho e olhei para a figura
refletida.
Uma interrogação.
Nada era refletido de
volta além de uma interrogação. Somente a interrogação flutuava no reflexo onde
deveria existir um rosto humano.
Por um momento deixei
meu peso cair sobre o colchão de solteiro largado de qualquer jeito em um dos
cantos do quarto. Olhei ao redor e notei que muitas coisas tentavam se
aproximar de mim, mas afastei cada uma delas com mais um gole de café seguido
de mais uma tragada.
Não permiti que nada se
aproximasse de mim, mas fiquei observando cada uma delas se movimentando pelo
quarto. Mantenho todas confinadas, pois são perigosas demais para expor. As
pessoas não estão acostumadas com elas, temem por não saber como tratar. Por
isso escolho uma, no máximo duas para levar comigo quando tenho que sair. Quase
sempre escolho pelo sorriso. A melhor aceita pela sociedade. Não importa o que
esteja acontecendo, apenas sorria, apenas esteja feliz. Ou aparente estar. A
aparência é o que importa.
Contra minha vontade
levantei, dei uma última tragada e joguei mais uma guimba no chão. Peguei as
chaves da casa e caminhei para fora do quarto. O protocolo social me impedia de
permanecer para sempre no meu quarto. Segui pelo longo corredor. A cada passo a
luz se fazia mais presente. Pendurado na parede próxima da porta estava meu
sorriso, peguei-o entre as mãos, respirei fundo e olhei para o meu quarto ao
fim do corredor. As lágrimas me olhavam de volta, queriam vir comigo, mas não
deixei. Apenas o sorriso é permitido, apenas o sorriso é esperado. Não existe
espaço para lágrimas.
Coloquei o sorriso no
rosto e fui pra rua.