segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

DEVANEIOS

Sentia frio.
Quarto minúsculo, paredes brancas, na realidade cinza, era cinza a cor que agora eu via.
Em pé recostado à parede eu olhava pela janela. O olhar estava fixo na rua, mas minha mente estava em outros lugares. O copo quente em minha mão esquerda continha o líquido precioso de todas as horas. Em minha mão direita mais um dos meus melhores amigos, ele iluminava o nascer do meu dia, sendo talvez a única cor de verdade que me importava naquele momento. Ainda era manhã, mas poderia contar outros dezoito melhores amigos tragados e as guimbas largadas ao chão. Meus vícios, mas não todos.
Mais um gole de café, mais uma tragada e nem assim o frio me deixava. A fumaça lançada dessa vez retorna pela janela, culpa do maldito vento.
O cheiro forte impregnava o quarto, mas prefiro o misto de cigarro e café incrustado em cada canto de meu refúgio do que me iludir com uma realidade de perfumes, flores, cores e felicidade. Essa não era a minha vida... essa não é a realidade da maioria, talvez de ninguém.
Uma jovem esguia descia pela rua em frente à janela de meu quarto, vestia uma camiseta com o símbolo de alguma banda desconhecida, pelo menos por mim, suas pernas eram protegidas apenas por um short jeans surrado. Seus passos eram lentos, como se desfrutasse daquele momento. Mantinha um sorriso fácil, mas foram seus cabelos azuis que pareciam flutuar de forma aleatória, em conjunto com os gatos que levava em seu passeio que captaram minha atenção antes do seu caminhar ou o desenho bobo de seus lábios em sorriso.
Um sorriso.
Dei-lhe uma última olhada antes dela sumir na esquina, então finalmente notei que o sol nascera e já derramava sua enchente de raios sobre as pessoas que caminhavam para todos os lados. Todos apressados, todos continham seus passos, todos fingindo não serem loucos.
Mais uma vez dei as costas à janela para buscar mais do meu líquido precioso e, antes de retornar a minha posição de atalaia, parei defronte ao espelho e olhei para a figura refletida.
Uma interrogação.
Nada era refletido de volta além de uma interrogação. Somente a interrogação flutuava no reflexo onde deveria existir um rosto humano.
Por um momento deixei meu peso cair sobre o colchão de solteiro largado de qualquer jeito em um dos cantos do quarto. Olhei ao redor e notei que muitas coisas tentavam se aproximar de mim, mas afastei cada uma delas com mais um gole de café seguido de mais uma tragada.
Não permiti que nada se aproximasse de mim, mas fiquei observando cada uma delas se movimentando pelo quarto. Mantenho todas confinadas, pois são perigosas demais para expor. As pessoas não estão acostumadas com elas, temem por não saber como tratar. Por isso escolho uma, no máximo duas para levar comigo quando tenho que sair. Quase sempre escolho pelo sorriso. A melhor aceita pela sociedade. Não importa o que esteja acontecendo, apenas sorria, apenas esteja feliz. Ou aparente estar. A aparência é o que importa.
Contra minha vontade levantei, dei uma última tragada e joguei mais uma guimba no chão. Peguei as chaves da casa e caminhei para fora do quarto. O protocolo social me impedia de permanecer para sempre no meu quarto. Segui pelo longo corredor. A cada passo a luz se fazia mais presente. Pendurado na parede próxima da porta estava meu sorriso, peguei-o entre as mãos, respirei fundo e olhei para o meu quarto ao fim do corredor. As lágrimas me olhavam de volta, queriam vir comigo, mas não deixei. Apenas o sorriso é permitido, apenas o sorriso é esperado. Não existe espaço para lágrimas.

Coloquei o sorriso no rosto e fui pra rua.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

BLUES

Estava cansado demais para me manter acordado, todavia não conseguia dormir. Mantive-me sentado a beira da cama, os cotovelos postos sobre os joelhos me conferiam uma leve curvatura. Não sei por quanto tempo fiquei imóvel. O olhar estava fixo, entretanto mirava o nada. Eu tinha certeza que toda uma mixórdia ocorria no mundo lá fora, mas nada ouvia. Parecia estar surdo. Parecia estar mudo. Parecia estar cego.

Não vi quando ela se aproximou. Leve como sempre, sorrateira como sempre. Apenas me dei conta de sua presença quando senti o frio.

Ela me abraçou por traz cruzando seus braços em meu corpo. Senti um arrepio subir pela minha espinha parando apenas em minha nuca. Em meu pescoço ela roçava seus lábios vermelhos e vem em vez brincava com mordidas de marfim superficialmente profundas.

Levantei em sobressalto, minha velha companheira me surpreendeu com sua visita. Apesar de tudo não esperava aquela antiga amante de volta. Esfreguei os olhos desejando estar sonhando, desejando acordar logo, mas nada mudou. Fitei-lhe os olhos de ônix, belos e enigmáticos onde sempre me perdi. Olhos que pareciam zombar de mim, um olhar que explicitava o quão obtuso eu era, olhos que no silêncio gritavam o quão enganado eu estava.

Ela sorriu... Um sorriso tão alvo e perfeito quanto perigoso, um sorriso que seduz à perdição e esquecimento.

Com calma ajeitou-se na cama, sem nunca parar de fitar meus olhos e manter o sorriso afável. Estendeu as mãos em minha direção em um convite silencioso ao qual nunca consegui resistir. Toquei em suas mãos frias e me aninhei em seu colo, tentei fugir de seus olhos, mas foi uma luta vã. Quando começou a deslizar seus dedos suaves como mármore, acariciando minha cabeça, me entreguei de todo a seus carinhos.

“Pobre criança”, ouvi sussurrar, “não aprendeu e talvez nunca aprenda”, sua voz era pura, sua voz era puro blues “não importa o quanto corra, não adianta tentar fugir”, eu estava perdido em seus olhos de ônix, estava imerso em seu sorriso de marfim, “eu sempre estarei contigo”, então me vi mergulhado nas profundezas de minha amante e a todo o momento escutava novamente o blues de sua voz, a todo instante, como um eco que lá estava apenas para reforçar as suas palavras “eu sempre estarei contigo”.