Era
noite, fazia frio.
Deitado
na cama em meu quarto eu observava a lua que projetada sua luz pálida pela
janela aberta. Meu braço direito servia de apoio para minha cabeça, a mão
esquerda trazia, a intervalos cada vez mais curtos, o último companheiro
encontrado no maço de cigarros largado em algum canto do quarto.
Pensamentos
vinham e retornavam tão rápidos que mal conseguia identifica-los, entretanto
lembro que nenhum era positivo.
Por
fim o meu último companheiro se apagou. Larguei a guimba ao chão.
Segundos
depois uma lágrima escorreu, mas não me recordo o porquê. Porém antes que a
segunda se apresentasse minha antiga companheira apareceu ao meu lado e limpou
meu rosto com seus dedos. Ela sentou na cama, apoiou minha cabeça em seu colo,
começou a acariciar meu rosto e a afagar meus cabelos. Por fim sorriu para mim.
Estava linda, se eu fosse um poeta faria versos sobre ela, poderia dizer que a
lua estava pálida de inveja pela beleza de minha amante. Mas não sou poeta.
Não
me contive e acabei por quebrar o silêncio para lhe trazer uma pergunta.
-
Esse mundo está uma merda. Porque diabos ninguém consegue viver em paz? É tão difícil
assim? – Percebi que o silêncio ser assassinado não lhe agradou e por alguns
segundos ela apenas me fitou com seus olhos de ônix. Mas bem lá no fundo eu vi
uma chama se acender – O que foi? – perguntei com uma voz que não era minha,
uma voz abafada, quase que um esforço sobre-humano para se externalizar. - Tem alguma
resposta para os questionamentos de um pobre ser humano mortal?
Arrependi-me
no exato instante em que terminei a pergunta, sabia que se ela respondesse
seria algo que não gostaria de ouvir, por outro lado, se ela não me desse uma
resposta eu odiaria o silêncio que cairia sobre nós. Mas ela respondeu... Ela
não perderia a oportunidade de me dar àquela resposta.
-
Vocês se matam em nome do amor... Odeiam em nome de deus... Desprezam os outros
em função do próprio ego e depois querem encontrar a felicidade em meio ao caos
e destruição que vocês mesmos criaram. Por fim culpam terceiros por tudo o que
está de errado com suas vidas, fechando os olhos para a parcela de culpa que
cada um de vocês carrega.
Ouvi
com atenção cada palavra. Ela não retirou os olhos de mim nem por um segundo
enquanto falava. Sua mão em minha cabeça não vacilou. Ela trouxe raiva, em sua
voz, ódio em seus olhos, mas seus gestos continuaram amenos. Deslizou seus
dedos por minha face, cada dedo de mármore terminava em uma unha afiada como um
bisturi.
Por
fim retirou cuidadosamente minha cabeça de seu colo e levantou. Caminhou em
direção à janela, olhou brevemente para a rua e voltou-se para mim. Seu rosto
estava escuro, talvez pelo contraste com a luz da lua que penetrava o quarto.
Não conseguia discernir suas feições, mas escutei sua voz, dessa vez sem raiva
ou ódio...
-
Vocês são dignos de pena.
Suas
palavras me atingiram como um soco. Fechei os olhos pelo que para mim foram
segundos, mas quando voltei a abrir, ela já havia ido. Mas sei que voltará... Ela
sempre volta.
E
mais uma vez estava sozinho no velho e mofado quarto escuro.